Introdução
Inventores da cultura do guaraná, os Sateré-Mawé domesticaram a trepadeira silvestre e criaram o processo de beneficiamento da planta, possibilitando que hoje o guaraná seja conhecido e consumido no mundo inteiro.
Preparo e consumo do guaraná
O çapó, guaraná em bastão ralado na água, é a bebida cotidiana, ritual e religiosa, consumida por adultos e crianças em grandes quantidades. O preparo e consumo do çapó seguem uma série de práticas que somadas resultam em uma sessão ritual. A natureza do ritual de consumo do guaraná é, porém, diversa da de um ritual formal, como são a da Festa da Tocandira ou a da leitura do Porantim.
Uma sessão de çapó foi descrita por Anthony Henman: "Essas práticas são essencialmente as mesmas em todas as circunstâncias, tanto se o çapó for preparado para o círculo familiar mais íntimo, ou para um encontro de todos os homens adultos durante uma festa ou reunião política. Cabe à mulher do anfitrião ralar o guaraná, operação feita com uma língua de pirarucu ou uma pedra lisa e quadrada de basalto. Uma cuia aberta da espécie Crescentia cujete é colocada em cima de um suporte chamado patauí e enchida de água até um quarto do seu volume total. A ação de 'ralar' o guaraná molhado não busca a transformação do bastão em pó, como ocorre com o guaraná seco.
Antes, trabalha-se o guaraná para que se forme uma baba, uma viscosidade que adere ao ralo e ao pedaço do bastão em uso, sendo dissolvida n'água mediante a periódica submersão dos dedos da raladora.
Depois de preparado, o çapó é de novo diluído com água guardada ao lado da ''dona'' do guaraná em uma cabaça da espécie Lagenaria siceraria. A cuia, já a essas alturas cheia até um pouco mais da metade de çapó, e entregue pela mulher ao seu marido, que toma apenas um pequeno gole antes de passá-la aos outros presente, normalmente prestigiando os mais velhos ou alguns visitantes importantes, se os houver. Daí em diante, a cuia passa de mão em mão observando a proximidade física dos participantes, e não um rígido esquema de hierarquia, sendo acompanhado durante as sessões noturnas por um grande cigarro de tabaco enrolado numa casca de árvore. O nome tauarí indica tanto o cigarro feito, como a casca e a própria árvore (Couratari tauary).
Nem sempre a cuia e o tauarí fazem uma volta circular, sendo mais comum que passem em uma linha reta de um participante ao próximo, voltando pela mesma linha até chegar de novo nas mãos do dono. Quando são muitas as pessoas presentes, observa-se a formação de duas ou mais linhas deste tipo, já que uma só cuia raramente é tomada por mais de oito ou dez pessoas. O participante que não tiver muita vontade de tomar guaraná não irá rechaçar a oferta da cuia, mas manterá as formalidades, bebendo um golinho mínimo para não ofender o anfitrião. Outro detalhe importante é que ninguém acaba a bebida que tiver na cuia, e mesmo se receber uma quantidade mínima, cuidará de deixar sempre um resquício para devolver ao dono. Só este é que tem o direito de encerrar formalmente a sessão de çapó; o que ele pode fazer pessoalmente, ou passando o restinho para um membro de sua família, acompanhado pela frase wai'pó (''olha o rabo'').
Durante o intervalo em que a cuia circula entre as pessoas presentes, a mulher do anfitrião continuará esfregando o pedaço de guaraná contra o ralo, juntando uma baba que será prontamente dissolvida n'água assim que a cuia voltar às suas mãos.'' (1983:26-27) Cabe observar que cada sessão da çapó tem várias rodadas da bebida, ou seja, a mulher do dono da casa (ou sua filha, ou sua neta) irá preparar várias cuias de çapó conforme a disposição dos visitantes e familiares para tomar çapó e conversar.
O çapó é a bebida que os Sateré-Mawé utilizam durante seus resguardos. As mulheres durante a menstruação, gravidez, pós-parto e luto e os homens na Festa da Tocandeira, no luto e quando acompanham suas mulheres durante o resguardo do pós-parto.
Pode-se dizer que é durante o fábrico, termo regional também utilizado pelos Sateré-Mawé para indicar as várias etapas do beneficiamento do guaraná, que a vida social se intensifica. A partir do que observamos, o fábrico potencializa ao máximo a maneira de ser desta sociedade, trazendo para a vida social cotidiana toda uma gama de fenômenos que se encontram ocultos ou obscuros em outras épocas do ano. É um período que se renova a cada ano com a chegada da colheita do guaraná, permitindo aos Sateré-Mawé comungarem com sua gênese mítica, revigorando-se etnicamente.
O ritual da Tocandira coincide com a época do fábrico e dura aproximadamente 20 dias. Os índios referem-se a este ritual como ''meter a mão na luva'', também conhecido pelos regionais como ''Festa da Tocandira''. Trata-se de um rito de passagem - onde os meninos tornam-se homens - de extraordinária importância para os Sateré-Mawé, com cantos de exaltação lírica para o trabalho e o amor, e cantos épicos ligados às guerras. As luvas utilizadas durante este ritual são tecidas em palha pintada com jenipapo, e adornadas com penas de arara e gavião; nelas, o iniciado enfia a mão para ser ferroado por dezenas de formigas tocandiras (Paraponera clavata).
Uma sessão de çapó foi descrita por Anthony Henman: "Essas práticas são essencialmente as mesmas em todas as circunstâncias, tanto se o çapó for preparado para o círculo familiar mais íntimo, ou para um encontro de todos os homens adultos durante uma festa ou reunião política. Cabe à mulher do anfitrião ralar o guaraná, operação feita com uma língua de pirarucu ou uma pedra lisa e quadrada de basalto. Uma cuia aberta da espécie Crescentia cujete é colocada em cima de um suporte chamado patauí e enchida de água até um quarto do seu volume total. A ação de 'ralar' o guaraná molhado não busca a transformação do bastão em pó, como ocorre com o guaraná seco.
Antes, trabalha-se o guaraná para que se forme uma baba, uma viscosidade que adere ao ralo e ao pedaço do bastão em uso, sendo dissolvida n'água mediante a periódica submersão dos dedos da raladora.
Depois de preparado, o çapó é de novo diluído com água guardada ao lado da ''dona'' do guaraná em uma cabaça da espécie Lagenaria siceraria. A cuia, já a essas alturas cheia até um pouco mais da metade de çapó, e entregue pela mulher ao seu marido, que toma apenas um pequeno gole antes de passá-la aos outros presente, normalmente prestigiando os mais velhos ou alguns visitantes importantes, se os houver. Daí em diante, a cuia passa de mão em mão observando a proximidade física dos participantes, e não um rígido esquema de hierarquia, sendo acompanhado durante as sessões noturnas por um grande cigarro de tabaco enrolado numa casca de árvore. O nome tauarí indica tanto o cigarro feito, como a casca e a própria árvore (Couratari tauary).
Nem sempre a cuia e o tauarí fazem uma volta circular, sendo mais comum que passem em uma linha reta de um participante ao próximo, voltando pela mesma linha até chegar de novo nas mãos do dono. Quando são muitas as pessoas presentes, observa-se a formação de duas ou mais linhas deste tipo, já que uma só cuia raramente é tomada por mais de oito ou dez pessoas. O participante que não tiver muita vontade de tomar guaraná não irá rechaçar a oferta da cuia, mas manterá as formalidades, bebendo um golinho mínimo para não ofender o anfitrião. Outro detalhe importante é que ninguém acaba a bebida que tiver na cuia, e mesmo se receber uma quantidade mínima, cuidará de deixar sempre um resquício para devolver ao dono. Só este é que tem o direito de encerrar formalmente a sessão de çapó; o que ele pode fazer pessoalmente, ou passando o restinho para um membro de sua família, acompanhado pela frase wai'pó (''olha o rabo'').
Durante o intervalo em que a cuia circula entre as pessoas presentes, a mulher do anfitrião continuará esfregando o pedaço de guaraná contra o ralo, juntando uma baba que será prontamente dissolvida n'água assim que a cuia voltar às suas mãos.'' (1983:26-27) Cabe observar que cada sessão da çapó tem várias rodadas da bebida, ou seja, a mulher do dono da casa (ou sua filha, ou sua neta) irá preparar várias cuias de çapó conforme a disposição dos visitantes e familiares para tomar çapó e conversar.
O çapó é a bebida que os Sateré-Mawé utilizam durante seus resguardos. As mulheres durante a menstruação, gravidez, pós-parto e luto e os homens na Festa da Tocandeira, no luto e quando acompanham suas mulheres durante o resguardo do pós-parto.
Pode-se dizer que é durante o fábrico, termo regional também utilizado pelos Sateré-Mawé para indicar as várias etapas do beneficiamento do guaraná, que a vida social se intensifica. A partir do que observamos, o fábrico potencializa ao máximo a maneira de ser desta sociedade, trazendo para a vida social cotidiana toda uma gama de fenômenos que se encontram ocultos ou obscuros em outras épocas do ano. É um período que se renova a cada ano com a chegada da colheita do guaraná, permitindo aos Sateré-Mawé comungarem com sua gênese mítica, revigorando-se etnicamente.
O ritual da Tocandira coincide com a época do fábrico e dura aproximadamente 20 dias. Os índios referem-se a este ritual como ''meter a mão na luva'', também conhecido pelos regionais como ''Festa da Tocandira''. Trata-se de um rito de passagem - onde os meninos tornam-se homens - de extraordinária importância para os Sateré-Mawé, com cantos de exaltação lírica para o trabalho e o amor, e cantos épicos ligados às guerras. As luvas utilizadas durante este ritual são tecidas em palha pintada com jenipapo, e adornadas com penas de arara e gavião; nelas, o iniciado enfia a mão para ser ferroado por dezenas de formigas tocandiras (Paraponera clavata).
Narrativa Sateré-Mawé
As narrativas abaixo foram recolhidas e editadas por Alba Lucy Giraldo Figueroa (antropóloga, Fundação Nacional de Saúde - Funasa). Fazem parte de sua tese de doutorado Guerriers de l'écriture et commerçants du monde enchanté: histoire, identité e traitement du mal chez les Sateré-Mawé (Amazonie Centrale, Brésil). A primeira narrativa foi traduzida por Silvia de Oliveira e a terceira por Brito de Souza.
O Imperador dos Sateré-Mawé, por Alba Lucy Giraldo Figueroa
Relatos antigos [sehay poot´i] colhidos em diversas localidades da Área Indígena Andirá-Marau referem-se à epopéia de um deus mítico que os Sateré-Mawé reconhecem como seu ancestral. Numa dessas versões, o nome atribuído ao demiurgo pelos narradores é o de Imperador. O termo Imperador foi utilizado no contexto da língua sateré-mawé, sendo Imperador a única palavra em português do relato original, que tanto para o narrador quanto para os demais ouvintes, todos homens adultos, era considerada uma palavra de sua própria língua. Acrescentaram que o seu nome completo era "Imperador Dom Pedro". Em outros contextos, ocorre a utilização do apelativo morekuat, nome genérico para "chefe", hoje reservado principalmente aos funcionários públicos.
O relato, em suas diversas versões, é fundamental para a compreensão de como se configuram diversos temas entre os Sateré-Mawé, tais como o da identidade étnica, o lugar e o papel atribuído à categoria social dos brancos (karaiwa) na suas representações sobre o mundo e naquelas referentes às relações de poder com as instituições do Estado brasileiro. Fundamentam, por outro lado, o sentimento religioso embutido no senso de territorialidade e na prática política dos Sateré-Mawé. Um ponto comum a todas as versões do relato é o consentimento explicitado pelo Imperador diante da opção da parte dos índios de ficarem nas suas terras.
Os brancos são associados a dois tipos de sapos esbranquiçados: um chamado kaingkaing [não identificado] e outro manka'i [Hyla venulosa - cunauaru]. Também são feitas outras associações: uma com o macaco wahue: "caiarara" [Cebus albitrons unicolor], por ser ele "todo branco e sem-vergonha". A outra é com o tiapu ou tiapii [Cacicus cela], "japiin", [pássaro da família dos Icterideos, Psarocolius]. Neste último caso, o traço destacado é aparentemente, o hábito de habitação coletiva e numerosa, bem como a grande versatilidade canora demonstrada por esse pássaro. Alguns narradores apontam para justificar essa associação a característica multi-instrumental da música ocidental.
Os brancos são, assim, representados como descendentes daqueles que seguiram o Imperador e os Sateré-Mawé como descendentes dos que ficaram. A palavra toran, pronunciada com ênfase pelos narradores depois de uma pausa final, cada vez que narram um mito, demarca uma seqüência temporal durante a qual espera-se que a atitude dos presentes seja de reverente silêncio diante das sehay pot'i: palavras antigas, tidas pelos homens idosos como palavras de bem e de beleza.
O irmão de Eva
Por Vidal - Rio Manjuru (AM), 1996
Antigamente a gente não morria, porque todos nós, índios, morávamos lá, no nusoquen [terreiro de pedra]. Lá foi a primeira terra que nós habitamos. Mas foi depois que existiu a morte, que a irmã dele morreu, quando ele abandonou essa casa primeira, que ele convidou o Adão. Tupana que mandou eles saírem de lá, daquela paragem. "Olha, Adão, chama teu povo para sair daí, daquela paragem”. Ele falou assim: "Adão, chama teu povo para continuar, para ele ir embora, para sair daí. Vai ter muitas frutas pelas matas que vocês vão atravessar. Mas eu não quero que vocês fiquem se entretendo. Eu vou na frente”.
Ele insiste: “Vocês vão ter muita fruta, mas vocês não vão se entreter.” Mas o Adão é teimoso. Quando ele chegou lá, numa fruteira, ele trepou e foi cortar o galho da fruteira. Lá, o povo dele se entreteve, quando eles seguiram, seguiram e seguiram. De noite já, eles encontraram uma sorveira. Estava cheio de fruta, ele derrubou e eles demoraram mais uma vez. Eles já estavam na viagem, mas ficavam se entretendo por aí. Encontraram também uma árvore de caramurizeiro e lá o Adão trepou de novo. E em vez deles seguirem na frente, sem se entreter, não, eles se pararam na fruta até o anoitecer. Lá eles acamparam e, quando foi de dia, seguiram. Encontraram logo uma bacabeira e apanharam muita bacaba. Aí, eles se entretiveram, fizeram um bule de vinho e o beberam todinho. Lá, eles fizeram um barraco, de novo, para dormir.
Quando se lembraram que Deus lhes tinha mandado ir na frente: "Podem ir embora, que tal dia eu vou para lá". Aí nessa lembrança, ele disse: "Eu não disse para vocês irem embora? Para quando eu chegasse, vocês já estarem na beira do rio esperando? Aí, quando eu chegasse, eu ia fazer um barco, uma canoa". O velho veio por onde eles vieram. Por onde eles vieram, Deus passou também. Lá, ele encontrou de novo uma árvore derrubada. "Puxa vida, eles não me ouviram. Bem que eu falei para eles que não se entretiverem nas coisas". Ele andou um pouquinho e lá encontrou, de novo outra árvore derrubada. Lá, ele achou foi barraco. "Aqui, eles ficaram". Ele andou, andou, de novo e lá ele encontrou outra fruteira derrubada. "Puxa vida; o Adão não me ouviu que eu falei para não se entreter com o pessoal dele. Eu disse a ele que, à tarde, eu ia lá com eles. Quando chegasse lá, já ia estar pronto para ir embora”. Ele os encontrou, lá onde tinham se entretido: "Puxa, Adão, você não ouviu o que eu disse para você. Eu falei para você vir embora. Então, eu já vou”. E ele passou na frente e eles ficaram para trás. "Eles ficaram para trás, porque o Adão não ouviu o que eu lhes disse". Durante a sua viagem, ele falou a um passarinho weitapin “Joga no caminho um bocado de serrado para eles não descobrirem mais por onde eu fui”. De repente, o seu rasto ficou coberto e eles não souberam mais por onde segui-lo.
Quando chegou na beira do rio, ele atravessou - ele é poderoso, né? Era um rio bem grande. De repente ele transformou uma pedra numa cachoeira e eles não conseguiram mais passar. Eles chegaram até a beira, lá eles corriam de um lado para o outro e gritavam: "Ei! para onde que vocês foram!? Para onde que vocês foram!? Como que vocês atravessaram!?”. E escutaram o baque; era que estavam fazendo navio para eles irem já, para irem para fora. Porque Deus fez aquele barco para eles irem embora. Mas o Adão, que não ouviu conselho, ele ficou. E ele chamou, chamou. Até que Deus respondeu: "Olha, Adão, eu já não dei conselho para ti? Para tu me seguir com teu povo, mas tu não me ouviste. Tu vais ficar". Ele chamou mais ainda, e Deus respondeu do outro lado: "Olha, Adão: Eu achei melhor que você ficasse mesmo. Porque se nós abandonarmos todos a nossa terra, não iria dar certo. Vocês tem que trabalhar. Vocês tem que voltar. Tu tens que dizer para a tua mulher, para Eva: É melhor que nós vamos embora para nossa casa. Porque ele convidou, mas nós não ouvimos o conselho, então nós temos que voltar, nós temos que trabalhar muito porque nós temos muita plantação [sese motpap ipoityp mikoi]”. Aí, eles cuidaram de ir de novo para lá de onde eles vieram. Se eles tivessem ouvido o conselho de Deus, nós não íamos ficar como nós, na mata. Nós não íamos trabalhar na roça. Mas nós não aproveitamos nadinha.
Aqueles que foram com Deus, estão trabalhando para irem embora. Mas eles não, os que ficaram, se entretiveram na fruta. Ela se lembrou e disse: "Eu tenho um irmão que me deu machado, terçado, ferro de cova, e eu deixei; por isso nós temos que ir embora de novo [voltar]". Disse Eva, convencendo o seu marido.
O passarinho tikwã [Mimus gilvus. Mimidae] estava dizendo, cantando lá em cima do barco deles: "tikwã, tikwã": "Olha, não demora: a chuva já vai arriar". Aí o Imperador, que era o secretário de Deus, o velho, disse: "Mas o que diacho esse passarinho está adivinhando!?". E se pôs a ralhar com ele, achando que estava mais do que abusado da cara. Aí, falou umas coisas para o tikwã. E este respondeu: "Não, esse barco de vocês está para sair, para vocês ir embora". O Imperador falou para ele não cantar mais perto dele. Deus tirou o livro de debaixo do braço. Puxou e aí, o Imperador olhou e disse: Está certo, o que Deus falou está certo. É o dia mesmo. Aí, não demorou e a chuva arriou. Aí criou aquela grande água, lá onde o navio estava. Choveu, choveu, choveu, até que conseguiu sair aquele barco de lá, de cima da terra. Aí eles se embarcaram e foram embora, se escondendo da morte.
Eles foram embora se esconder de muitas doenças. O vento é que transmite a doença: de muito longe vem febre, gripe, tudo quanto é doença. Eles se queriam esconder de tudo isso, mas não teve jeito.
Toran
O Imperador era índio
Por Alfredo Barbosa - Ponta Alegre, rio Andirá (AM), 1996
A primeira pessoa que nasceu foi tapuya, depois foi o karaiwa. Por isso que os tapuya-in ficaram como donos da mata na´apy kaiwat, eles moram na própria terra mesmo. Depois apareceu uma pessoa, o "Imperador" que disse que era para eles não ficarem na mata e sim para irem para yarupap ["lugar onde estão/encostam os barcos"].
O Imperador falou: “Vamos embora para abaixo, para fora". Lá foram eles, foram andando, mas encontraram fruteiras e ficaram entretidos e deixaram de caminhar. O Imperador foi na frente e chegou no barco e esperou lá muito tempo. Mas como o povo não chegava, ele convidou a nação waçaria [“Sapos”, um dos numerosos clãs - ywaniaria - que constituíram o povo Sateré-Mawé] para remar para ele. Na época não existia motor. E se foram para ywysasare [expressão antiga, traduzida como "para fora"]. O Imperador era índio. Ele deu a educação we´eghap [conhecimento, saber]. Ele disse: "Vocês aprenderão fazer muita coisa". Os que foram remando, a nação sapo [waça], ficou na cidade [tawa wato: aldeia grande] e nós ficamos aqui no mato. Eles deram origem aos brancos como vocês, aos japoneses, americanos, são todos magka´i, aquele sapinho branco. Lá ele deu inteligência para fazer avião, rádio, televisão. Ele achou que era bom que tapuya ficasse cuidando de tanta riqueza que tinha nos matos e disse que um dia ele mandava alguém trazer espingarda, machado, terçado, máquina, machado novo, para trocar por produto. São os regatões. Ele disse que um dia ia contribuir com essas coisas que hoje estão nas cidades e que o regatão traz. Morekuaria mit po'oro koi, isto é o que as autoridades mandam.
Toran
O Imperador falou: “Vamos embora para abaixo, para fora". Lá foram eles, foram andando, mas encontraram fruteiras e ficaram entretidos e deixaram de caminhar. O Imperador foi na frente e chegou no barco e esperou lá muito tempo. Mas como o povo não chegava, ele convidou a nação waçaria [“Sapos”, um dos numerosos clãs - ywaniaria - que constituíram o povo Sateré-Mawé] para remar para ele. Na época não existia motor. E se foram para ywysasare [expressão antiga, traduzida como "para fora"]. O Imperador era índio. Ele deu a educação we´eghap [conhecimento, saber]. Ele disse: "Vocês aprenderão fazer muita coisa". Os que foram remando, a nação sapo [waça], ficou na cidade [tawa wato: aldeia grande] e nós ficamos aqui no mato. Eles deram origem aos brancos como vocês, aos japoneses, americanos, são todos magka´i, aquele sapinho branco. Lá ele deu inteligência para fazer avião, rádio, televisão. Ele achou que era bom que tapuya ficasse cuidando de tanta riqueza que tinha nos matos e disse que um dia ele mandava alguém trazer espingarda, machado, terçado, máquina, machado novo, para trocar por produto. São os regatões. Ele disse que um dia ia contribuir com essas coisas que hoje estão nas cidades e que o regatão traz. Morekuaria mit po'oro koi, isto é o que as autoridades mandam.
Toran
Uruhe'i e Maripyaipok
Por Dona Maria Trindade Lopes - Vida Feliz, rio Andirá (AM), 1996
Existiram dois irmãos que iam descendo quando o Imperador o chamou para descer para fora: Uri era o nome da mulher, mas como quando iam descer ela cochichou ['he´i-´he´i] ao ouvido do irmão que ela tinha esquecido uma coisa: o seu banco, foi chamada de Urihe´i: Uri cochichou: Urihe´i-he´i. O irmão dela chamava Mari, mas como ele voltou, também a causa do apelo da irmã, chamaram ele Mari-aipok: Mari voltou: Mari py aipok: [Mari pé voltou].
Uri era o nome de Eva em língua sateré. Dela surgiram todos os Sateré.
Toran
Existiram dois irmãos que iam descendo quando o Imperador o chamou para descer para fora: Uri era o nome da mulher, mas como quando iam descer ela cochichou ['he´i-´he´i] ao ouvido do irmão que ela tinha esquecido uma coisa: o seu banco, foi chamada de Urihe´i: Uri cochichou: Urihe´i-he´i. O irmão dela chamava Mari, mas como ele voltou, também a causa do apelo da irmã, chamaram ele Mari-aipok: Mari voltou: Mari py aipok: [Mari pé voltou].
Uri era o nome de Eva em língua sateré. Dela surgiram todos os Sateré.
Toran
Cultura material e cosmologia
Os Sateré-Mawé possuem rica cultura material, sendo os teçumes sua maior expressão. Eles designam por teçume o artesanato confeccionado pelos homens com talos e folhas de caranã, arumã e outros, com os quais fazem peneiras, cestos, tipitis, abanos, bolsas, chapéus, paredes, coberturas de casas etc.
Grande ênfase é dada ao Porantim na cosmologia sateré-mawé. O Porantim é uma peça de madeira com aproximadamente 1,50m de altura, com desenhos geométricos gravados em baixo relevo, recobertos com tinta branca, a tabatinga. Sua forma lembra a de uma clava de guerra ou a de um remo trabalhado. O Porantim possui um leque de atributos: é o legislador social e os Sateré-Mawé freqüentemente se referem a ele como sendo sua Constituição ou sua Bíblia. Possui poderes de entidade mágica, uma espécie de bola de cristal que prevê acontecimentos, podendo andar sozinho para apartar desavenças e conflitos internos. É também o suporte onde estão gravados, de um lado, o mito da origem ou a história do guaraná, e de outro, o mito da guerra. Posiciona-se, portanto, para a sociedade que o talhou, como instituição máxima, aglutinando as esferas política, jurídica, mágico-religiosa e mística.
Divisão sexual e etária do trabalho
O fábrico é um ciclo produtivo predominantemente masculino. Observamos que existe uma relação entre a divisão sexual do trabalho e a divisão do trabalho por faixa etária. A sociedade Sateré-Mawé prescreve para as atividades mais simples do fábrico - que não dependem de tanta arte e experiência - mãos de variadas idades. Mas, ao se tratar das tarefas mais sofisticadas, encontraremos sempre mãos de pessoa adultas ou idosas cuidando do guaraná.
Somando a prescrição sexual com a faixa etária resulta que a colheita dos cachos, a descasca do guaraná cru, a lavagem do guaraná, a torrefação, a descasca do guaraná torrado e a pilação, são tarefas quase que exclusivamente masculinas, cobrindo a faixa etária dos meninos aos adultos. A participação do sexo feminino ocorre apenas quando se descasca o guaraná cru e o guaraná torrado, que são consideradas atividades bem simples dentro do cômputo geral do fábrico.
Só é permitida a participação das meninas nas atividades acima mencionadas antes da primeira menstruação, porque depois do primeiro resguardo as meninas ganham o estatuto social de mulheres, transformando-se em esposas e mães em potencial.
As três atividades finais do fábrico são as que exigem maior depuramento, uma vez que incidem decisivamente na qualidade do produto final - o pão de guaraná. É por este motivo que a modelagem dos pães, sua lavagem e defumação são entregues exclusivamente nas mãos de pessoas adultas ou velhas. Segundo a prescrição da divisão sexual do trabalho e da divisão do trabalho por faixa etária, apenas os homens adultos e velhos podem se encarregar da modelagem dos pães de guaraná e do controle da defumação.
As três atividades finais do fábrico são as que exigem maior depuramento, uma vez que incidem decisivamente na qualidade do produto final - o pão de guaraná. É por este motivo que a modelagem dos pães, sua lavagem e defumação são entregues exclusivamente nas mãos de pessoas adultas ou velhas. Segundo a prescrição da divisão sexual do trabalho e da divisão do trabalho por faixa etária, apenas os homens adultos e velhos podem se encarregar da modelagem dos pães de guaraná e do controle da defumação.
A lavagem dos pães de guaraná se distingue radicalmente das outras atividades do fábrico porque é o único momento onde as mulheres, literalmente, põem a mão na massa. A sociedade sateré-mawé prescreve que somente as mulheres adultas (mães) e velhas (avós) recebem das mãos dos padeiros, após breve descanso nos talos de bananeira, os pães de guaraná ainda frescos, moles e de cor castanha, para serem demorada e caprichosamente lavados.
A lavagem dos pães de guaraná constitui-se, sem dúvida, no trabalho mais delicado do fábrico, o que não é suficiente para explicar a incursão feminina dentro do universo eminentemente masculino.
A quebra de tabu ocasionada pela entrada das mulheres (que já ficaram menstruadas e já tem marido, filhos e netos) no fábrico de forma tão determinada, só pode ser compreendida através dos mitos.
As mulheres Sateré-Mawé estão representadas, em síntese, no corpus mítico sateré-mawé, pelas figuras femininas de Uniaí, Onhiámuáçabê e Unhanmangarú, que são ora irmãs de Anumaré (Deus), ora irmãs de Ocumaató e Icuaman (os irmãos gêmeos). Essas mulheres míticas possuem um leque de atributos e prerrogativas, que encontram ressonância na vida social Sateré-Mawé, mesmo que de forma invertida ou oposta.
É seguindo essa trilha que podemos entender a participação das mulheres no fábrico, precisamente na lavagem dos pães de guaraná, uma vez que elas ocupam a posição de Onhiámuáçabê na "História do Guaraná'' - a mulher-xamã, esposa e mãe. Onhiámuáçabê, através de práticas xamanísticas, cuja tônica central é a lavagem do cadáver do filho com sua saliva e o sumo de plantas mágicas, faz nascer a primeira planta de guaraná, inaugurando a agricultura, ressuscitando seu filho - o primeiro Sateré-Mawé -, e fundando a sociedade.
É interessante notar que na sociedade sateré-mawé cabe exclusivamente aos homens a função de pajés, ao contrário de alguns mitos, em que esses papéis são reservados às mulheres. Da mesma forma, a vida social reserva aos homens a tarefa de beneficiar o guaraná, quando nos mitos é função da mulher de cuidar do guaraná. Provavelmente, são essas inversões que permitem a quebra de tabu na divisão sexual de trabalho no fábrico, resguardando para as mulheres a continuidade das suas funções míticas na vida social.
Organização política
Toda aldeia possui um tuxaua, o chefe do lugar, pessoa que está investida de autoridade para resolver brigas e conflitos internos, convocar reuniões, marcar festas e rituais, orientar as atividades agrícolas e as transações comerciais, mandar construir casas etc. Cabe ainda ao tuxaua hospedar os visitantes demonstrando sua generosidade e procedendo à função cerimonial de oferecer çapó - guaraná em bastão ralado na água, bebida cotidiana, ritual e religiosa, que é consumida em grandes quantidades.
Ao tuxaua, como a qualquer chefe de família extensa, compete também administrar os interesses de sua própria família, responsabilidade que ele assume de modo incisivo, principalmente quando se trata de solucionar brigas e determinar as atividades agrícolas e comerciais. Ele também administra os interesses das demais famílias extensas e elementares que aí residem, mas nesse caso, o faz de forma mais flexível.
Nesse sentido, é possível dizer que a unidade mínima constitutiva da aldeia é sempre a família extensa do tuxaua. A aldeia pode constituir-se também dessa família acrescida por famílias elementares, ou ainda por um conjunto de famílias extensas, cujos chefes de família se submetem à influência política do tuxaua local.
A autoridade política do tuxaua transcende os limites da aldeia, estendendo-se, conforme seu desempenho como chefe de aldeia e de acordo com suas relações com os demais tuxauas sateré-mawé e, sobretudo, com o tuxaua geral.
Podemos observar que, contemporaneamente, o grau de influência política de um tuxaua oscila segundo inúmeros critérios, dos quais se destacam: o clã ao qual pertence, suas relações de parentesco e prestígio junto aos demais tuxauas, seu conhecimento sobre o tempo dos antigos (história e mitologia sateré-mawé), sua capacidade como orador, seu grau de generosidade, sua tradição como agricultor e beneficiador do guaraná, sua habilidade para o comércio, a maneira como conduz os problemas internos de sua comunidade e a tônica de suas relações com os agentes da sociedade envolvente, principalmente a Funai, os patrões e os políticos locais. Pode-se dizer que o tuxaua geral é aquele que consegue um bom desempenho em todas essas áreas.
Além dos chefes de família extensa, dos tuxauas e dos tuxauas gerais, ainda há lugar na organização política sateré-mawé para a figura do capitão, instituída pelo SPI e reforçada pela Funai. Ao capitão cabe a função de intermediar as relações dos Sateré-Mawé com os brancos, mais especificamente fazer a ponte entre as chefias tradicionais dessa sociedade com as autoridades da sociedade nacional.
O capitão contracena principalmente com autoridades exógenas: o chefe de Posto, o delegado, o superintendente e o presidente da Funai, prefeitos, padres e pastores. Muitas vezes são esses agentes do Estado e das congregações religiosas atuantes na área que instituem o capitão, e prosseguem manobrando-o em função dos seus interesses. Essa realidade, somada ao fato dele não ser um chefe tradicional, transforma-o numa figura controvertida dentro da esfera política sateré-mawé
Os filhos do Guaraná
Subsistência
Subsistência
Inventores da cultura do Guaraná, os Sateré-Mawé transformaram a Paullinia Cupana, uma trepadeira silvestre da família das Sapindáceas, em arbusto cultivado, introduzindo seu plantio e beneficiamento. O guaraná é uma planta nativa da região das terras altas da bacia hidrográfica do rio Maués-Açu, que coincide precisamente com o território tradicional Sateré-Mawé.
Os Sateré-Mawé se vêem como inventores da cultura dessa planta, auto-imagem justificada no plano ideológico por meio do mito da origem, segundo o qual seriam os Filhos do Guaraná.
O guaraná é o produto por excelência da economia sateré-mawé, sendo, dos seus produtos comerciais, o que obtém maior preço no mercado. É possível ainda pensar que a vocação para o comércio demonstrada pelos Sateré-Mawé se explique pela importância do guaraná na sua organização social e econômica.
A primeira descrição do guaraná e sua importância para os Sateré-Mawé data de 1669, ano que coincide com o primeiro contato do grupo com os brancos. O padre João Felipe Betendorf descrevia, em 1669, que "tem os Andirazes em seus matos uma frutinha que chamam guaraná, a qual secam e depois pisam, fazendo dela umas bolas, que estimam como os brancos o seu ouro, e desfeitas com uma pedrinha, com que as vão roçando, e em uma cuia de água bebida, dá tão grandes forças, que indo os índios à caça, um dia até o outro não têm fome, além do que faz urinar, tira febres e dores de cabeça e cãibras".
Em 1819, o naturalista Carl von Martius recolheu na região de Maués uma amostra de guaraná, denominado-a Paullinia Sorbilis. Martius observou que na época já existia intenso comércio de guaraná, enviado a locais distantes como o Mato Grosso e a Bolívia. Assim, em 1868, Ferreira Pena escreve: ''Cada ano descem pelo Madeira mercadores da Bolívia e Mato-Grosso dirigindo-se à Serpa e Vila Bela Imperatriz, para onde trazem seus gêneros de exportação e donde recebem os de importação. Daí antes de regressarem vão a Maués, donde levam mil arrobas de guaraná, regressando então em ubás, carregadas daqueles e deste último gênero, que eles vão vender nos departamentos de Beni, Santa Cruz de La Sierra e Cochabamba na Bolívia e nas povoações do Guaporé e seus afluentes''.
O comércio do guaraná sempre foi intenso na região de Maués, não só o realizado pelos Sateré-Mawé, mas também pelos civilizados. A procura deste produto deve-se às propriedades de estimulante, regulador intestinal, antiblenorrágico, tônico cardiovascular e afrodisíaco. No entanto, é como estimulante que o guaraná, depois de beneficiado, é mais procurando, pois contém alto teor de cafeína (de 4 a 5%), superior ao chá (2%) e ao café (1%).
Existe uma distinção entre o guaraná de excelente qualidade beneficiado pelos Sateré-Mawé - chamado guaraná das terras, guaraná das terras altas e guaraná do Marau - e o guaraná beneficiado pelos civilizados na região de Maués, chamado guaraná de Luzéia - antigo nome desta cidade -, de qualidade inferior porque produzido sem os conhecimentos e apuro das práticas tradicionais dos índios. O guaraná das terras sempre foi o mais procurado e, no entanto, os Sateré-Mawé vendem, no máximo, duas toneladas do produto por ano, e apenas nos anos de excelente safra. Já o guaraná de Luzéia, muito inferior, é produzido em larga escala; só uma empresa de comercialização do produto em Maués afirma vender 40 toneladas anuais
Território e história do contato com os brancos
Segundo relatos dos velhos Sateré-Mawé, seus ancestrais habitavam em tempos imemoriais o vasto território entre os rios Madeira e Tapajós, delimitado ao norte pelas ilhas Tupinambaranas, no rio Amazonas e, ao sul, pelas cabeceiras do Tapajós.
Os Sateré-Mawé referem-se ao seu lugar de origem como sendo o Noçoquém, lugar da morada de seus heróis míticos. Eles localizam-no na margem esquerda do Tapajós, numa região de floresta densa e pedregosa, ''lá onde as pedras falam''.
Nunes Pereira, que viveu com esse povo na década de 1950, conta que ''os lagos e rios piscosíssimos que irrigam as terras em que viveram outrora os Maués e, bem assim, as florestas e campinaranas ricas em caças de toda espécie, deveriam constituir, numa época mais remota, uma paisagem magnífica para as atividades desse povo. À representação panteísta do Noçoquem, - sítio onde se encontravam todas as plantas e animais úteis aos Maués, segundo a Lenda do Guaraná, deveriam corresponder, outrora, o território por eles ocupado''.
Os Sateré-Mawé tiveram seu primeiro contato com os brancos na época de atuação da Companhia de Jesus, quando os jesuítas fundaram a Missão de Tupinambaranas, em 1669. Segundo Bettendorf, "Em 1698 os Andirá acolheram o Padre João Valladão como missionário. É impossível localizar os Maraguá precisamente, mas eles viviam num lago, entre os rio Andirá e Abacaxi, provavelmente no baixo Maués-Açu, que se espraia para formar uma espécie de lago. Eles tinham três vilas, uma próxima da outra" (1910:36). Em 1692, após terem matado alguns homens brancos, o governo declarou uma guerra justa (legal) contra eles, parcialmente evitada pelos índios, uma vez que estes foram avisados e se espalharam, sendo que somente alguns ofereceram resistência.
A partir do contato com os brancos, e mesmo antes disso, devido às guerras com os Munduruku e Parintintim, o território ancestral dos Sateré-Mawé foi sensivelmente reduzido. Em 1835 eclodiu a Cabanagem na Amazônia, principal insurreição nativista do Brasil. Os Munduruku e Mawé (dos rios Tapajós e Madeira) e os Mura (do rio Madeira), bem como grupos indígenas do rio Negro, aderiram aos cabanos e só se renderam em 1839. Epidemias e atroz perseguição aos grupos indígenas que com eles combatiam, devastaram enormes áreas da Amazônia, deslocando esses grupos dos seus territórios tradicionais ou reduzindo-os.
Relatos dos viajantes confirmam que de fato houve redução territorial a partir do século XVIII, e mencionam a área compreendida pelo rio Marmelos, Sucunduri, Abacaxis, Parauari, Amana e Mariacuã como território tradicional dos Sateré-Mawé. Esses relatos confirmam também que as cidades de Maués (AM), Parintins (AM) e Itaituba (PA) foram fundadas sobre sítios Sateré-Mawé, coincidindo com passagens da história oral deste povo.
Pensando em termos de macro-território, a ocupação da Amazônia pelos civilizados - termo usado pelos Sateré-Mawé para designar todos aqueles que não são Sateré-Mawé: caboclos, brancos, estrangeiros, com exceção das outras nações indígenas - restringiu consideravelmente seu território tradicional. Primeiro, foram as tropas de resgate e as missões jesuíta e carmelita; depois iniciou-se a busca desenfreada das drogas de sertão; em seguida a extração da seringa; e finalmente a expansão econômica das cidades de Maués, Barreirinha, Parintins e Itaituba para o interior dos municípios, alocando fazendas, extraindo pau-rosa, abrindo garimpos, dominando a economia indígena através de seus regatões.
Em 1978, quando iniciado o processo de demarcação do território, as aldeias, sítios, roças, cemitérios, territórios de caça, pesca, coleta e perambulação situavam-se entre e ao redor dos rio Marau, Miriti, Urupadi, Manjuru e Andirá. Os Sateré-Mawé consideravam essa extensão de terra como sendo sua, apesar de saberem que ela representava apenas uma pequena parcela do que já havia sido seu território tradicional. Do ponto de vista dos Sateré-Mawé, conseguiu-se manter parte privilegiada do território.
Eles são tradicionalmente índios da floresta, do centro, como eles próprios falam. Até o começo do século XX escolhiam lugares preferencialmente nas regiões centrais da mata, próximas às nascentes dos rio, para implantarem suas aldeias e sítios. Nessas regiões, a caça é abundante; encontram-se em profusão os filhos de guaraná (como chamam, em português, as mudas nativas da Paullinia Sorbilis); existe grande quantidade de palmeiras como o açaí, tucumã, pupunha e bacaba, que sazonalmente comparecem na dieta alimentar; os rios são igarapés estreitos, com corredeiras e água bem fria. Esse é o ecossistema por excelência dos Sateré-Mawé e podemos observar, ainda hoje, que as aldeias que guardam formas de vida tradicionais ''como no tempo dos velhos'' (plano espacial, arquitetura, roças, rituais etc.) situam-se nessas regiões.
As características desses nichos ecológicos eram essenciais à reprodução da vida tradicional dos Sateré-Mawé até o começo do século XX. Conforme os relatos dos índios mais velhos, as antigas aldeias Araticum Velho e Terra Preta, ambas situadas na cabeceira do rio Andirá, foram o pólo de dispersão das atuais 42 aldeias encontradas nas margens desse rio. Da mesma forma, a aldeia Marau Velho, que se localizava na nascente do rio Marau, foi o núcleo inicial das atuais 31 aldeias situadas no mesmo rio, bem como das aldeias que encontramos nos rios Miriti, Manjuru e Urupadi. Estas três aldeias desapareceram em torno da década de 20, mas ainda podemos observar seus sinais na capoeira, resquícios de suas implantações nas cabeceiras dos rios.
A proliferação de aldeias situadas nas margens dos rios Marau e Andirá vem ocorrendo há aproximadamente 80 anos e se deve às interferências na vida tradicional dos Sateré-Mawé, ocasionadas pelas missões religiosas, pelo extinto SPI pela atual Funai, como também pela pressão dos regatões e pelas epidemias. Todos esses fatores levaram os Sateré-Mawé a terem vontade de ficar mais próximos das cidades de Maués, Barreirinha e Parintins.
A subsistência baseia-se na agricultura, em que se destacam os plantios de guaraná e as roças de mandioca. A farinha é a base da alimentação, sendo também comercializada em larga escala para as cidades vizinhas de Maués, Barreirinha e Parintins. Plantam ainda, para consumo próprio, o jerimum, a batata doce, o cará branco e roxo, e uma infinidade de frutas, em maior escala a laranja.
Além de exímios agricultores, são também caçadores e coletores. Mel, castanha, diferentes qualidades de coquinhos, formigas e lagartas complementam sua dieta. Coletam ainda breu, cipós e vários tipos de palhas que servem para o consumo, além se serem comercializados na cidade. Caçando e pescando, os homens participam da dieta alimentar, juntamente com a farinha de mandioca, beiju e tacacá feitos pelas mulheres.
Além de exímios agricultores, são também caçadores e coletores. Mel, castanha, diferentes qualidades de coquinhos, formigas e lagartas complementam sua dieta. Coletam ainda breu, cipós e vários tipos de palhas que servem para o consumo, além se serem comercializados na cidade. Caçando e pescando, os homens participam da dieta alimentar, juntamente com a farinha de mandioca, beiju e tacacá feitos pelas mulheres.
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